“Se os justos recebem a punição que merecem na terra, quanto mais o ímpio e o pecador!” (Pv 11.31).
Cada época desenvolve uma visão geral de Deus. Na Idade Média, ele era visto como um Deus completamente severo que só podia ser aplacado mediante a ação dos mediadores autorizados dentro da igreja, o clero. O bom exemplo disso é Martinho Lutero que, antes da sua conversão, era um religioso rigoroso e dedicado que não conseguia amar a Deus porque sabia que seria condenado por ele. Nossos dias são diferentes. Deus é visto como unicamente gracioso a ponto de não condenar ninguém e existir para conceder prosperidade às pessoas. Até mesmo dentro das igrejas cristãs cresce essa imagem de um Deus permissivo e gracioso somente, sem executar sua justiça. Apesar de ser verdade que Deus é muito gracioso, é também verdadeiro que exacerbar a graça de Deus e diminuir sua justiça cria um ídolo oco e não o Deus eterno descrito nas Escrituras.
Esse erro transparece nesse provérbio por diversas razões. A primeira delas é a existência de uma punição. O fato de ser descrita como algo inegável que vem a todos nos mostra que sua fonte é superior aos homens, vinda do próprio Deus — visão que costuma ser menosprezada atualmente. Em segundo lugar, por causa da surpreendente menção de um juízo sobre os justos. Do ponto de vista humano é algo desnecessário e até injusto, mas quando comparamos os justos desse mundo com a justiça de Deus, percebemos que mesmo os servos do Senhor cometem pecados e que os tais são vistos com seriedade por Deus. Entretanto, a diferença de intensidade entre o juízo do justo e do ímpio, pelo uso da ideia do “quanto mais”, aponta para o fato de que o Senhor pune pecados dos seus servos na medida da sua graça e também com a intenção de, disciplinando-os como um pai (Hb 12.8-13), corrigir-lhes o erro e torná-los servos melhores.
Se esse é o lado bom da justiça de Deus, ou seja, ser um servo disciplinado a fim de melhorar, o lado duro é aquele que é rendido aos ímpios. Apesar de terem seu julgamento definitivo preparado para acontecer em um dia escatológico, o Senhor também lhes reserva juízos temporais que os atingem duramente e que costumam ser considerados como tragédias do acaso ou falta de sorte diante de um mundo mau. O sábio rei não tem a intenção de que os ímpios se consolem na falsa ideia de que não mereciam a punição. Ele, ao contrário, quer que todos saibam que Deus é justo agora e sempre e que leva os pecados muito a sério. Diante disso, o justo precisa de mais razões para continuar buscando obedecer ao nome do Senhor, além de honrá-lo? E aquele que anda longe de Deus precisa de mais motivação para crer em Jesus como salvador e perdoador dos seus pecados?